Foi um momento tão literário quanto absurdo Na noite de 12 de fevereiro de 1976, no glamouroso Palácio de Bellas Artes, na Cidade do México, Gabriel García Márquez avistou o amigo de longa data, Mario Vargas Llosa. Caminhou até ele com um sorriso largo e os braços abertos, gesto típico de quem reencontra um velho companheiro. Mas o que recebeu em troca foi um soco certeiro no rosto.
O colombiano tombou no chão com o olho roxo. Estava selado, naquele instante, o fim de uma das amizades mais emblemáticas da literatura latino-americana. O episódio, que poderia ter saído das páginas de um de seus romances, ganhou contornos míticos, envolto em décadas de silêncio e especulação. Agora, com a morte de Vargas Llosa, aos 89 anos, em 13 de abril de 2025, parece que a verdade sobre o fatídico soco será para sempre um enigma literário.
Política, paixões e uma mulher no meio
Não é novidade que os dois gênios tinham visões políticas radicalmente opostas. Gabo era um comunista convicto, defensor fervoroso de Fidel Castro e simpático a figuras como Daniel Ortega. Já Vargas Llosa, que flertou com o socialismo em sua juventude, converteu-se em liberal fervoroso e chegou a ser candidato da direita peruana em 1990 — perdendo para Alberto Fujimori.
Ainda assim, apesar das ideologias díspares, é improvável que o soco tenha sido motivado por paixões políticas. O motivo mais plausível — e prosaico — teria nome e sobrenome: Patricia Llosa.
Na época, Vargas Llosa e Patricia estavam separados, após uma suposta traição do escritor.
Enquanto Vargas Llosa processava a dor da crise conjugal, Patricia foi acolhida por Gabo e sua esposa Mercedes, amigos íntimos do casal. É aí que os caminhos se bifurcam nas versões que circulam nos bastidores da história literária.
Alguns dizem que Vargas Llosa se sentiu traído pelo apoio emocional que Gabo deu à esposa — e, pior ainda, pela suspeita de que o casal García Márquez teria incentivado Patricia a pedir o divórcio. Outros, mais inclinados ao lado novelesco da história, sugerem que Gabo teria passado dos limites e flertado com Patricia, hipótese nunca confirmada — nem negada.
O silêncio como pacto (ou como literatura)
O mais impressionante é que nenhum dos dois jamais revelou publicamente o real motivo do rompimento. Quando perguntado, Vargas Llosa esquivava-se: “Perguntem isso ao cadáver do García Márquez”. Já Gabo, fiel ao seu estilo enigmático, manteve o sorriso discreto e as reticências no ar.
O que restou foi o silêncio — e uma fotografia célebre tirada anos antes da briga, em que os dois aparecem sorridentes, braços entrelaçados, no auge da amizade e do prestígio internacional. Uma imagem que virou símbolo de uma geração de escritores latino-americanos que revolucionou a literatura mundial — e que também provou ser feita de carne, osso e vaidades.
O fim de uma era
Com a morte de Vargas Llosa, o último guardião do segredo levou com ele a chave de um dos maiores mistérios da história da literatura contemporânea. O soco permanece, não como um gesto de violência gratuita, mas como um corte simbólico entre duas formas de ver o mundo — e de narrá-lo.
Entre política, paixão e literatura, o episódio ainda fascina não apenas estudiosos, mas também leitores sedentos por grandes histórias — reais ou quase fictícias. Afinal, o que seria da boa literatura sem um pouco de drama, ciúme e intriga?