O projeto de lei que autoriza a venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados enfrenta um entrave central: a escassez de profissionais farmacêuticos no Brasil. A avaliação foi feita nesta quarta-feira (11), durante audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, que discute o PL 2.158/2023, de autoria do senador Efraim Filho (União-PB).
O texto prevê que supermercados possam comercializar medicamentos sem prescrição médica, desde que contem com farmacêuticos presentes no local. O argumento central da proposta é ampliar o acesso e reduzir o custo desses produtos, seguindo modelos já adotados em países como Estados Unidos e nações europeias.
Mas a principal barreira apontada é a estrutura necessária para atender à legislação atual. De acordo com Cacito Augusto de Freitas Esteves, representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Brasil conta com cerca de 300 mil farmacêuticos habilitados, número considerado insuficiente para dar conta da demanda de 122 mil farmácias e drogarias em funcionamento no país — sem considerar a eventual inclusão dos supermercados nessa equação.
“Cada unidade precisaria de pelo menos dois profissionais para atender a uma jornada de 16 horas. Isso já representa praticamente a totalidade de farmacêuticos disponíveis hoje no Brasil”, destacou Esteves.
Acesso ou risco?
O projeto divide opiniões. Defensores, como a presidente da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Acessa), Cibele Zanotta, afirmam que os MIPs são regulamentados rigorosamente pela Anvisa e têm papel relevante no autocuidado e na prevenção de doenças, contribuindo para a redução da pressão sobre o SUS.
“Não se pode colocar em xeque a segurança desses medicamentos, que são indicados apenas para condições leves e autolimitadas. Eles têm eficácia e histórico de uso seguro”, defendeu.
Já críticos do projeto apontam riscos sanitários, possibilidade de uso indiscriminado e impacto sobre farmácias de pequeno e médio porte. O economista e ex-diretor da Anvisa Ivo Bucaresky alertou que os MIPs não tratam causas das doenças e podem ser mal utilizados sem orientação adequada. Ele também projeta consequências no mercado: “As pequenas farmácias, que representam até 25% do setor, podem ser pressionadas a aumentar preços para manter a sobrevivência diante da perda de mercado”.
Modelo híbrido
Para tentar viabilizar o projeto, o senador Efraim Filho apresentou uma sugestão de ajuste: permitir que farmácias funcionem dentro dos supermercados, respeitando todas as exigências legais — como identidade fiscal distinta, presença obrigatória de farmacêuticos, controle sanitário e rastreabilidade de produtos. A instalação dessas farmácias poderia ser feita diretamente pelos supermercados ou por meio de parcerias com redes já licenciadas.
Segundo o parlamentar, a proposta busca equilíbrio entre o aumento da concorrência e a segurança no uso de medicamentos. “Hoje o consumidor já compra pela internet, sem falar com o farmacêutico, e recebe em casa. Nos supermercados, com um profissional presente, haveria até mais segurança. O foco é garantir preço mais acessível para quem já gasta muito com remédio”, justificou.
Anvisa e CFF mantêm posição de cautela
A Anvisa afirmou que ainda não tem posição formada sobre o projeto. Segundo Daniel Meirelles Fernandes, da Quinta Diretoria da agência, qualquer deliberação depende de votação na diretoria colegiada. “A Anvisa contribui com sua visão sanitária, mas não se posiciona nem a favor, nem contra. A prioridade é não haver retrocessos nas normas de segurança sanitária”, afirmou.
Já o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter da Silva Jorge João, foi enfático ao criticar a proposta. Para ele, transformar medicamentos em produtos de gôndola é ignorar os riscos históricos. “A CPI dos Medicamentos de 1998 mostrou que, quando isso foi tentado, o preço aumentou em 300%. Medicamento não é mercadoria comum, farmácia não é mercado. Essa discussão é antiga e continua ignorando o essencial: a proteção à saúde.”
O relatório do PL 2.158/2023 será elaborado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que ainda não apresentou parecer sobre a matéria.
Redação / Agência Senado