Relatório propõe desvincular perícia criminal das polícias civis

Estudo do Instituto Vladimir Herzog alerta para riscos de manipulação e sugere autonomia técnica.
Relatório propõe desvincular perícia criminal das polícias civis

A vinculação da perícia criminal às Polícias Civis é uma das fragilidades mais críticas do sistema de justiça brasileiro, segundo especialistas reunidos na quarta-feira (23) no Ministério da Justiça, em Brasília. Durante o lançamento do relatório “Perícia e Direitos Humanos: Recomendações para o Aperfeiçoamento da Perícia Criminal”, representantes da sociedade civil, peritos, ativistas e autoridades discutiram as ameaças que essa estrutura representa à imparcialidade das investigações.

O relatório, elaborado pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH), em parceria com a Fundação Friedrich Ebert – Brasil (FES-Brasil) e a Associação Brasileira de Criminalística (ABC), é fruto de três anos de pesquisa e articulação. O documento denuncia o risco de manipulação de provas, interferências políticas e a perpetuação de uma cultura de impunidade em um sistema que deveria zelar pela verdade e pelos direitos fundamentais.

“A perícia deve deixar de ser um elo vulnerável ou conivente no sistema de justiça. Deve ser reconhecida como um pilar de garantias fundamentais, com vocação para proteger a vida, expor a verdade e permitir a responsabilização de quem viola direitos”, destacou Lorrane Rodrigues, coordenadora da área de Memória, Verdade e Justiça do IVH.

O caso emblemático da morte de Vladimir Herzog, em 1975, foi lembrado como exemplo histórico da instrumentalização da perícia pelo Estado para encobrir execuções e fraudes. O diretor-executivo do IVH, Rogério Sottili, reforçou que a ausência de independência nos laudos periciais ainda hoje compromete investigações e fortalece estruturas autoritárias.

Entre os pontos centrais do relatório, estão:

  • Desvinculação institucional da perícia criminal das Polícias Civis, conforme já recomendado pela Comissão Nacional da Verdade;
  • Reconhecimento constitucional da perícia como função essencial à Justiça;
  • Implementação rigorosa da cadeia de custódia para preservar a integridade das provas técnicas;
  • Criação de academias forenses independentes, com formação técnica padronizada e contínua;
  • Regulamentação ética dos bancos de dados genéticos, para proteger a privacidade dos cidadãos.

Segundo o levantamento, apenas 10 estados brasileiros possuem órgãos periciais totalmente desvinculados das Polícias Civis. A formação dos peritos, por sua vez, é desigual: há estados que oferecem menos de 200 horas de capacitação, enquanto outros ultrapassam as 1.200 horas, revelando uma ausência de critérios mínimos nacionais.

“Não é apenas uma questão de gestão pública. É um pacto civilizatório. Precisamos garantir que ciência e justiça estejam acima do arbítrio”, disse Sottili.

O presidente da ABC, Marcos Secco, afirmou que o relatório é um marco necessário para enfrentar as resistências e fortalecer a perícia como um instrumento de justiça e verdade.

A proposta de desvinculação, embora polêmica, tem apoio crescente de setores que reconhecem na autonomia da perícia um caminho para combater a impunidade e fortalecer o Estado democrático de direito. Para os autores do relatório, o momento político atual abre uma janela histórica para avançar nessa transformação estrutural.

Com informações da kubix Comunicação